Refletir acerca da educação dos infantis requer, impreterivelmente, a necessidade de pensar-se no plural, na multiplicidade de sentidos intrínsecos à criança.
Conceber a criança em sua totalidade, considerando as múltiplas linguagens que a permeia, é compreender que os aspectos cognitivos, motores, sociais e afetivos são indissociáveis. Para tanto, faz-se necessária a concepção de que são sujeitos que expressam-se por meio de metáforas e representações que nem sempre são inteligíveis ao adulto e, sobretudo à escola.
Carlos Drummond de Andrade já afirmara que as crianças são poetas, contudo “a escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo” (1976, p. 593). Nesse sentido, cabe à instituição educadora o reconhecimento bem como a promoção da multiplicidade das expressões infantis.
Por meio de um currículo que contemple as múltiplas linguagens é possível que a construção de conhecimentos aconteça de forma significativa e, sobretudo, de inúmeras maneiras. Esse processo pressupõe observação e escuta. Faz-se necessário compreender o modo com que a criança sente, vivencia e significa o processo de aprendizagem e, fundamentado nesse percurso, promova o desenvolvimento de suas potencialidades.
Nessa perspectiva, o currículo não só é pensado para a criança, como também é constituído por ela, contemplando os saberes prévios e aquilo que ela anseia por aprender, considerando, assim, os infantis como sujeitos ativos e capazes de produzir culturas e conhecimentos.
Dessa forma, não há a supervalorização de uma linguagem em detrimento de outras, o conhecimento não acontece de maneira fragmentada, mas por meio da música, do movimento, da arte, da dança, da literatura, enfim, de uma multiplicidade de linguagens, por meio das quais a criança amplia seu modo de conhecer e (re)significar o mundo. Assim, aprende no diálogo e contato com o outro, levantando e testando hipóteses, sentindo cheiros, sabores, sensações, apreciando músicas, obras artísticas, ouvindo e criando narrativas, explorando materiais, expressões, movimentos corporais, brincando!
Torna-se essencial o entendimento de que as linguagens estão emaranhadas, não havendo hierarquias entre elas. Nesse sentido, é necessária a superação do conceito de que o processo educativo deva privilegiar somente a linguagem oral e, especialmente, a escrita. Romper com esse paradigma é compreender que as práticas de leitura e escrita estão atreladas a um uso social e que, atualmente há uma multiplicidade de elementos envolvendo tais práticas, bem como inúmeras possibilidades de interpretação e sentidos. Muito além de conhecer o código da escrita, é fundamental que o educando seja capaz de ler e interpretar o mundo por meio das múltiplas linguagens, sejam elas visuais, gestuais, sonoras, escritas, conseguindo perceber intencionalidades e até mesmo aquilo que não está escrito. Compreendendo, dessa forma, que o conhecimento, bem como as informações não são prontos, acabados, mas estão sempre em processo de (re)construção e transpõem os muros institucionais.
Para tanto, a abordagem educacional pautada nas múltiplas linguagens é fundamental, uma vez que proporciona aprendizagens singulares ao fomentar experiências nas quais todos os sentidos são estimulados e, conforme aborda Loris Malaguzzi (2018), as crianças são incentivadas a explorar e se expressar por meio das cem linguagens das quais dispõem.
Referências:
ANDRADE, C. D. de. A educação do ser poético. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 61, n. 140, p. 593-594, out. 1976. Disponível em www.contioutra.com/a-educacao-do-ser-poetico-por-carlos-drummond-de-andrade. Acesso em:05 de outubro de 2017
MALAGUZZI, L (2018). Ao contrário as cem existem. In: Edwards, C.; Gandini, L.; Forman, G. (Orgs). As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância (p.2). Porto Alegre: Artes Médicas.
Por Mayra Arantes de Oliveira, professora regente da Educação Infantil, licenciada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo- Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP)e pós-graduada em Educação Infantil e Educação Inclusiva e Especial pelo Instituto Brasil de Ensino.